
Edição Completa:
Na Gnarus, a gente acredita que o conhecimento precisa circular. Não basta que ele fique restrito à universidade ou aos círculos especializados, ele tem que ganhar o mundo, chegar a quem pesquisa, ensina, aprende ou simplesmente se interessa por história e cultura.
Nesta edição especial, organizada com a direção luxuosa da nossa mais nova colaboradora, a Professora Dra. Bianca França, reafirmamos essa crença com entusiasmo. Valorizamos uma linguagem acessível, sem abrir mão do rigor acadêmico, porque cada nova edição é, para nós, uma nova conversa. E este dossiê é um convite aberto para pensar e dialogar junto com a gente.
Nossa motivação nasce da percepção de que as instituições museológicas, historicamente legitimadas como guardiãs da memória e do patrimônio, enfrentam hoje pressões éticas, epistemológicas e políticas que exigem uma revisão crítica de seus fundamentos. Ao reunir trabalhos que dialogam com a História Pública, a Museologia, a Antropologia, a Educação e as Ciências Sociais, este dossiê busca contribuir para um debate profundo sobre os papéis sociais, políticos e pedagógicos dos museus diante dos desafios contemporâneos da representação, da patrimonialização e da inclusão.
Em um contexto marcado por demandas crescentes por justiça histórica, restituição de bens culturais, curadorias colaborativas e epistemologias decoloniais, este número propõe olhar os acervos museológicos como territórios de disputa, não apenas por seus objetos, mas pelas narrativas que constroem, pelos silêncios que impõem e pelas formas de pertencimento que mobilizam.
Dividido em cinco eixos: História das coleções etnográficas; Museus, patrimônio e identidade; Desafios da museologia contemporânea; Restituição e repatriação de bens culturais; Tecnologias e novas abordagens, o dossiê reúne artigos que percorrem desde arquivos históricos e práticas curatoriais até experiências de educação museal e disputas simbólicas em ambientes digitais. O fio condutor é a escuta ativa, a memória em movimento e a construção coletiva de sentidos.
Abrimos com o trabalho de Rachel Corrêa Lima, museóloga do Museu Nacional, que revisita documentos do Setor de Etnologia e Etnografia propondo uma virada da lógica burocrática para uma museologia crítica, dialógica e atenta ao protagonismo indígena. No mesmo compasso, a historiadora Bianca França e antropólogo Salomão Clemente reconstroem a trajetória das coleções Ticuna do Museu Nacional antes e depois do incêndio de 2018, refletindo sobre as reverberações dos processos de revisitações de coleções etnográficas, materiais e a partir de plataformas digitais e cosmologias originárias.
Em diálogo com essas abordagens, a antropóloga Olivia Maria Gonçalves nos brinda com uma leitura sensível da obra Mil Peças: Coleções Ticuna do Museu Nacional, reforçando o valor das coleções Ticuna como dispositivo de memória e resistência. Na mesma sintonia, mas voltado para o acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estévão, o antropólogo Renato Athias mergulha nas questões éticas em torno das coleções xamânicas do Alto Rio Negro, abrindo espaço para uma crítica contundente à patrimonialização dissociada dos saberes nativos.
No artigo Entre a Cidade e o Arquivo, o professor e mestre em História Fernando Gralha de Souza analisa o legado visual de Augusto Malta, revelando os cruzamentos entre história urbana, museologia e apagamentos simbólicos. Já os antropólogos Ollívia Gonçalves e Billy Tobar exploram as curadorias em rede, chamando atenção para os afetos, os conflitos e as exclusões que permeiam os circuitos digitais da memória.
Sem perder o ritmo, outros artigos ampliam o escopo das reflexões: a professora e linguista Cleobina Torres Florentino propõe uma abordagem sensível da educação museal na infância; a artista plástica Manoela Carvalho compartilha uma experiência inclusiva no CCBB-RJ; e Kelly Mamedes e Marcus Cruz analisam o conceito de patrimônio em tempos de crise. Celine Piazzetta apresenta uma política pública de aproximação entre museus e escolas públicas, enquanto Adílio Marques, no artigo de encerramento, revisita o papel da Sociedade Vellosiana de Ciências Naturais na formação do campo científico no Brasil imperial.
A diversidade temática, geográfica e metodológica dos artigos aqui reunidos oferece uma contribuição valiosa para os estudos críticos sobre coleções etnográficas e museus, reafirmando a centralidade dessas instituições nos debates contemporâneos sobre memória, justiça histórica e direitos culturais.
Esperamos que as reflexões presentes neste dossiê inspirem novos estudos e práticas comprometidas com a escuta, o diálogo intercultural e a construção de futuros museológicos mais plurais, inclusivos e democráticos.
Boa leitura e até a próxima!
Bianca França
Fernaando Gralha
Ano XIII- EDIÇÃO ESPECIAL - JULHO - 2025
Apresentação (Bianca França e Fernando Gralha)
ARTIGOS:
DO “LIVRO DO PORTEIRO” À MUSEOLOGIA DIALÓGICA
(Rachel Corrêa Lima)
DAS “MIL PEÇAS” À RECONSTRUÇÃO: AS COLEÇÕES TICUNA E OS CAMINHOS PÓS-2018 NO MUSEU NACIONAL
(Bianca Luiza Freire de Castro França; Salomão Inácio Clemente)
POVOS INDÍGENAS E COLEÇÕES ETNOGRÁFICAS: IMPERATIVOS ÉTICOS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
(Renato Athias)
ENTRE A CIDADE E O ARQUIVO: AUGUSTO MALTA, FOTOGRAFIA E OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DAS NARRATIVAS MUSEOLÓGICAS
(Fernando Gralha de Souza)
MUSEALIZAR NA REDE: DISPUTAS DE MEMÓRIA, AFETO E CURADORIA NO ECOSSISTEMA DIGITAL
(Ollivia Maria Gonçalves; Billy Tobar Rosero)
EDUCAÇÃO MUSEAL E CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS (LENDAS): UMA PROPOSTA PARA O ENSINO INFANTIL
(Cleobina Torres Florentino)
HISTÓRIA, COLEÇÕES ETNOGRÁFICAS E MUSEUS: NARRATIVAS, REPRESENTAÇÕES E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO E ACESSIBILIDADE
(Manoela Carvalho)
EM TEMPOS MONUMENTAIS. REFLEXÕES ACERCA DO CONCEITO DE PATRIMÔNIO
(Kelly Mamedes ; Marcus Cruz)
PROJETO ‘#PARTIU MUSEU’: A contribuição do Governo do Estado do Paraná ao aproximar escolas públicas dos museus.
(Celine Maria Nadaline Piazzetta)
A IMPORTÂNCIA DE ALGUMAS ORGANIZAÇÕES MUSEOLÓGICAS E CIENTÍFICAS PARA A CAPITALIDADE DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX
(Adílio Jorge Marques)
RESENHA:
UM CONVITE À LEITURA DE “MIL PEÇAS: COLEÇÕES TICUNA DO MUSEU NACIONAL” DE BIANCA LUIZA FREIRE DE CASTRO FRANÇA
(Ollivia Maria Gonçalves)